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ENERGIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS


Em face da desigualdade geográfica da disponibilidade de recursos energéticos no planeta tem se que os estados competem pelo acesso à esses recursos no interesse da promoção do desenvolvimento de suas sociedades. Essa é a relação mais importante que liga tanto a questão da Energia com o campo das Relações Internacionais.


Desta premência, qualquer política energética terá como objetivo a segurança do suprimento, a competitividade da economia nacional e a proteção ambiental, sendo que a importância relativa destes três objetivos variaram no tempo. Durante a década de 1970 os dois choques do petróleo (1973 e 1979) puseram ênfase na questão da segurança do suprimento; já a década seguinte marcada por fortes discussões sobre a questão do meio ambiente fez com que o foco passasse a recair sobre a questão da proteção ambiental; na década de 1990 o foco se deu em torno da questão da competitividade das economias e, hodiernamente, os governos tentam manter equilíbrio entre os três objetivos.

Energia é, portanto, um tema que se reveste de vasta capilaridade indo do campo da Geopolítica ao desenvolvimento sustentável. Convém observar que a matriz energética do mundo nos últimos 40 anos (80%) é de petróleo e gás sendo que o preço do petróleo atinge picos a cada década. Essa situação aponta para a dificuldade de ocorrência de mudanças bruscas no setor, sendo o cenário mais provável o de uma transição gradual para as energias renováveis. Além disso, de modo geral, o mundo apresenta uma demanda energética refreada, uma vez que a correlação entre IDH e energia é positiva, de sorte que, o incremento no nível de bem estar social é necessariamente acompanhado por um incremento do consumo de energia per capita. Tendo em vista que grande parte dos estados do sistema internacional se encontra ou na fase de menor desenvolvimento relativo ou na fase de em desenvolvmento, resta claro que o futuro tenderá a exigir maior oferta de energia. 

Simultaneamente, o IPCC constantemente aponta que o homem em sua atividade humana transformou-se em uma força geológica e o efeito de sua ação no processo de mudança climática é comprovado e tende a se intensificar se nada for feito. 

Destoa do mundo o Brasil no que diz respeito à matriz energética uma vez que tem somente 45% dela suprida por petróleo e gás, enquanto que em outras potencias energéticas a média é, no mínimo o dobro. Esse estado da arte abre cenários de oportunidades para o Brasil se posicionar entre as próximas potências energéticas. O Brasil é precursor em pesquisa, desenvolvimento e usos de fontes em energia renovável. Como tal se pauta, em sua atuação internacional, pela busca constante de parcerias, especialmente sul-sul, para buscar soluções criativas, a integração energética latino-americana, criação de mercado internacional para o biocombustível e ao atendimento às diretrizes do desenvolvimento sustentável.

O Itamaraty atua em várias frentes para promover e divulgar o uso sustentável da bioenergia.No âmbito multilateral destaca-se a atuação na Organização Internacional para a Normatização (ISO) e a Parceria Global de Bioenergia (Global Bioenergy Partnership), além da iniciativa da ONU chamada Energia Sustentável para Todos (Sustainable Energy for All - SE4ALL). Na cooperação sul-sul destaca-se o IBAS foro de diálogo criado em 2003 no qual há memorandos de entendimento visando criar força tarefa para atuar nas área de biocombustíves, energia eólica e energia solar. No MERCOSUL há o grupo ad hoc para bioenergia que visa estabelecer padronização técnica comum.


O Brasil, como afirmado acima é um grande player global de biocombustível, principalmente, o etanol. Isso  decorre de uma escolha política empreendida pela governo militar brasileiro de dar respostas aos choques do petróleo na década de 1970. Tanto a guerra do Yom Kipur 1973, quanto a Revolução Iraniana (1979) contribuíram para o governo lançasse o Proálcool I e II, respectivamente. Por meio desse programa a frota nacional passou por uma reformulação e os veículos eram produzidos para rodar com álcool ao invés da gasolina importada à altos custos. Do ponto de vista financeiro o programa proporcionou uma economia de U$28.7 bilhões de dólares em importações de petróleo com investimentos equivalentes à U$ 11,7 bilhões sendo neste aspecto positivo, porém vários problemas foram apresentaram. A produção de cana de açucar, matéria prima, expandiu-se para áreas de outros cultivos, diminuindo a diversidade ambiental, a concentração de renda aumentou porque, a despeito do aumento da produção, os trabalhadores não tinham seus direitos respeitados, sendo que não raro a atuação dos catadores de cana se dava em clima de semi escravidão. Um balanço dos dois PróAlcool da década de 1970 é positivo no que diz respeito à dimensão econômica, e negativa na questão tanto ambiental quanto social.

Todavia, os programas da década de 1970 foram importantes porque legaram uma vantagem competitiva ao Brasil a partir dos anos 2000 com o aumento no preço do petróleo e a questão da dimensão do meio ambiente. Atualmente o Brasil em função de sua vantagem competitiva adquirida historicamente desponta como o segundo maior produtor de biocombustível do mundo atrás apenas dos EUA. Há a expectativa por parte do governo de o etanol brasileiro venha a substituir 5% da gasolina no mundo até 2025. O problema que se impõe é o da dimensão ambiental que claramente para atingir esse objetivo terá de se  expandir o cultivo de cana de açúcar para além da região sudeste ( sobretudo São Paulo) deslocando outros cultivos essenciais ao Brasil. Além do fato de que a presença de empresas multinacionais terem se inserido no mercado nacional de modo a também participar dos lucros dessa produção.

O xadrez internacional no que se refere ao mercado do etanol permite ver que é do interesse do Brasil exportar etanol para países desenvolvidos, uma vez que isso atende aos objetivos do milênio e aos interesses econômicos e sociais do Brasil, porém aqueles se ressentem de se tornarem vulneráveis à um produto com poucos produtores. O desafio é criar um mercado internacional do etanol, não que isso vá competir com o etanol que é produzido pelo país, mais isso fará com que esse mercado tenha estabilidade. Neste sentido, a cooperação com os EUA, que deixaram de conceder subsídios aos seus produtores de etanol provenientes do milho (comprovadamente menos eficiente) em 2011, é bem vinda uma vez que une o capital norte-americano com a tecnologia brasileira para produção de etanol em outros países tropicais da América Central.

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