Do projeto de lei do senador Aloysio Nunes (PSDB), hoje
Ministro das Relações Exteriores do Brasil, até a sanção presidencial pela ex
presidente Dilma Rousself, a Lei 13.260/16 passou por longo período de
consultas, debates e críticas com vistas ao seu aprimoramento e a sua
conformidade com o ordenamento legal pátrio na defesa do Brasil frente às novas
ameaças internacionais.
Em que pese o não acometimento de atos terroristas em território nacional ele é responsável por ceifar a vida de cidadãos brasileiros, de modo que a sociedade civil e as autoridades nacionais não podem considerar o tema desimportante. De fato, havia brasileiros no World Trade Center em 2001, em Bali, na Indonésia em 2002, no prédio da ONU em Bagdá em 2003, na Espanha em 2004 e em Londres em 2005, bem como mais recentemente nos atentados de Paris e na Bélgica em 2015 e 2016. Argumentar, portanto, que o terrorismo não nos atinge é frágil, embora se reconheça que não se trate de uma ameaça ao estado nacional.
De 2001 em diante, ocorreu fenômeno de dispersão dos atos terroristas internacionais bem como a sua maior distribuição geográfica, deste modo, o Brasil que passava por um processo de grande exposição à mídia internacional em virtude dos grandes eventos esportivos que aqui tiveram lugar (copa e as olimpíadas) motivam que as instituições brasileiras tenham definição em lei do que é terrorismo bem como os meios de se evitar a sua atuação.
O projeto de Lei Antiterrorismo foi alvo de grande polêmica tendo recebido críticas tanto da sociedade civil organizada e das agências especializadas na proteção dos Direitos Humanos. Movimentos sociais alegavam que a Lei seria instrumentalizada para criminalizar manifestações em prol da defesa ou da reivindicação de direitos.Já a agência da ONU para Direitos Humanos entendeu a definição de terrorismo muito ampla o que daria margem para interpretações expansivas.
Por outro lado o Brasil já havia se engajado, mesmo por dever constitucional, em diversos atos internacionais que visavam coibir a prática do terrorismo (Convenção para previnir e punir atos de terrorismo 1973, Convenção Interamericana contra o terrorismo 2003, Convenção Internacional para a Supressão do financiamento do terrorismo 2002), porém não possuía do ponto de vista interno uma lei moderna para lidar com as ameaças contemporâneas. Havia o artigo 20 da lei 7.170/83 que mencionava atos de terrorismo e atribuía pena de reclusão de 3 a 10 anos, com a possibilidade de se dobrar a pena em caso de lesão corporal ou triplicar em caso de morte, porém ela dizia respeito à segurança nacional de um período em que o Brasil era governo por um governo militar, pesava sobre ela a acusação de que era uma lei visando proteger o regime e perseguir opositores e não propriamente a integridade territorial e a soberania nacional. Não fazia sentido, portanto, que o Brasil não tivesse uma lei que desse conta de conceituar sem excessos o terrorismo e permitir que suas agências especializadas em ações de contra-terrorismo tivessem a devida determinação legal para atuar.
A meu ver a Lei 13.260/16 aprovada pela ex presidente Dilma Roussef é equilibrada, foram vetados dois parágrafos que auxiliavam a definir o terrorismo de modo que o Brasil se atualizou frente ao mundo, simultaneamente que respondeu a uma exigência internacional. A lei define terrorismo em seu artigo 2º como sendo a "prática de atos por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública." No parágrafo 2º fica afastado o receio que fora trazido pelos movimentos sociais de desvio de finalidade
da lei uma vez que se estabelece que o "disposto não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos,garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei".
A operação Hashtag deflagrada pela Polícia Federal em 2016 prendeu e se valeu do artigo 2º da lei 12.360/16 fundamentar processo judicial com base na promoção do terrorismo nas redes sociais e aplicativos de comunicação instantânea. A leitura da sentença não deixa dúvidas da intenção dos acusados em promover atentados terroristas no Brasil.(ver aqui).
Por mais que se tente definir terrorismo é possível notar que ele é eminentemente um conceito político e como tal dado aos manuseios do poder. A Al Qaeda foi considerada uma organização terrorista quando dos atentados de 11 de setembro de 2001,porém no contexto da Guerra contra a URSS na década de 1980 foram considerados como sendo "freedom fighters" pelo governo norte americano. Durante a república de Vichy, na França colaboracionista, o grupo Manouchian foi considerado terrorista pelo governo por ter assassinado um general da SS nazista, posteriormente, foram considerados heróis nacionais. Em Israel os grupos palestinos são considerados terroristas, na Palestina o é o estado de Israel. Destaca-se daqui a equivalência de se dividir o mundo em categorias estanques, reducionistas e maniqueístas.
O conceito de terrorismo evoluiu historicamente seu início histórico remonta à Revolução Francesa em que os jacobinos, liderados por Robespierre usaram o estado para perseguir opositores políticos e julgá-los à pena por morte na guilhotina. Esse processo se deu entre 1793 e 1794, período conhecido como o Terror que deu origem ao conceito moderno de terrorismo revolucionário de Estado. Esse tipo de terrorismo também ocorreu durante a revolução de outubro de 1917 em que os bolcheviques com sua revolução socialista mudaram o caráter do estado, na Alemanha Nazista de 1933 à 1945, na China Comunista durante a revolução cultural.
Nas décadas de 1960,1970 e 1980 surgem grupos radicais de diversas tendências radicais de esquerda praticando o terror contra um determinado regime de estado. Os exemplos clássicos podem ser encontrados no grupo Baader Meihof, na Alemanha Ocidental, Sendero Lumino, no Peru, Var-Palmares, no Brasil, Brigadas Vermelhas na Itália entre outros. Paralelamente, surge no contexto latino americano diversos regimes ditatoriais de direita que praticam o terrorismo de estado na perseguição de dissidentes. Os regimes militares no Brasil de 1964-1985 e na Argentina de 1976-1983 e no Chile de 1973-1988 são os exemplos mais emblemáticos.
Outra categoria de terrorismo é o denominado terrorismo nacionalista em que um grupo étnico reivindica a criação de um estado dentro de um território soberano. O ETA que reivindica que reivindica a Catalunha à Espanha, o IRA reinvindica a independência da Irlanda do Norte da Inglaterra e etc.
E por último o terrorismo mais conhecido e que obtém maior publicidade por parte da imprensa internacional. O terrorismo fundamentalista cujas características principais são a transterritorialidade e o programa de ação difusa e de grande dispersão geográfica.
Não se justifica jamais os atos de terrorismo internacional, a própria constituição federal em seu inciso 58 do artigo 5º o coloca como crime de terrorismo insuscetível de fiança e de graça ou anistia alçando o ao status de crime hediondo. Porém convém refletir sobre as causas ou as condições materiais que permitem a criação, a organização e a prática do terrorismo. O terrorismo internacional busca além de estabelecer uma organização política pautada na leitura literal dos ensinamentos religiosos também se insurgir contra as diversas intervenções unilateriais com finalidades geopolíticas, o desrespeito às soberanias nacionais desde à época da primeira guerra mundial e o estado de completa falência do Estado nessas regiões. A saída para que o terrorismo fundamentalista perca força passa por criar um sistema internacional menos assimétrico no que diz respeito às questões sociais, políticas e econômicas e sobretudo, a manutenção de padrões mínimos de direitos humanos.
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