Glenn Greenwald conta a história
de como ocorreu o contato com Edward Snowden e o consequente vazamento de
informações ultrassecretas da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em
inglês) em 2012.
O livro é dividido em 7 capítulos
(Introdução, Contato, Dez dias em Hong Kong, Coletar tudo, Os danos da
vigilância, O Quarto poder e epílogo) e faz um relato muito profundo sobre as
várias dimensões que a atividade de inteligência alcançaram no século XXI.
No primeiro capítulo Glenn conta
as dificuldades em estabelecer um primeiro contato com Snowden. Na verdade foi
este que o procurou e tentou convencê-lo a usar algum programa de criptografia
só que sem sucesso acabou sendo deixado de lado por um jornalista com muitas
tarefas por fazer. Mais tarde, quando contatado por sua amiga e também diretora
de cinema Laura Poitras teve acesso à documentos secretos que detalhavam o
modus operandi de diversos programas de vigilância em massa da agência de
segurança nacional.
A fonte, no entanto, estava em
Hong Kong, e já havia se decidido a tornar públicos os documentos que por
vários anos baixou da agência pautado no princípio de que a vigilância em massa
que o governo dos EUA estava conduzindo havia alcançado limites globais. A
denúncia e a exposição do governo, mesmo que seja por uma fração de segundos,
seria para ele algo satisfatório. Edward Snowden, é caracterizado pelo
jornalista como extremamente racional e consciente das consequências de suas
decisões. Embora não tenha completado o ensino médio, desde a juventude,
demonstrara aptidão para a computação e foi assim que começou a trabalhar nessa
área até galgar os mais altos escalões da inteligência norte americana.
A saga para tornar público os
documentos ultrassecretos que provavam cabalmente a coleta maciça de dados de
cidadãos foi grande. Snowden queria que a matéria fosse publicada por uma mídia
independente e que se conferisse agressividade ao tema. Na verdade, ele sabia
por ter feito parte do staff da inteligência norte americana que a mídia dos
EUA por vezes protegem o governo mais do que o contesta e lhe exige
transparência. No caso, o meio encontrado foi a publicação no The Guardian jornal
britânico com a sucursal em Nova York que deu o furo da notícia e o estrago foi
feito em todas as relações bilaterais que os EUA possuíam ao redor do globo.
Dentre os arquivos de Snowden
destacam se o “Boundless Informant” programa que permite contabilizar com
precisão matemática todas as chamadas e todos os e-mails coletados todos os
dias no mundo inteiro. O programa PRISM que permite a obtenção de dados dos
servidores das maiores empresas de internet do mundo. O Project Bullrun
(Projeto corrida de touros) – esforço realizado entre a Agência de Segurança
Nacional e o Centro de Comunicações do Governo para quebrar as criptografias
mais utilizadas na internet. Egotistical Giraffe que tem como alto o Tor e o
programa canadense Olympia destinado a vigiar o Ministério de Minas e Energia
brasileiro.
Isso tudo é possível porque a
Agência Nacional de Inteligência possui estrutura de ponta e conta com
vultuosos recursos tecnológicos disponibilizados e produzidos pelas empresas de
tecnologia norte americana. Além disso, há a cooperação entre estados em
matéria de inteligência das quais o mais emblemático é o Tratado de Segurança
EUA –UK também conhecido como o Cinco Olhos – aliança de compartilhamento de
conteúdo e metadados entre EUA,UK, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Ainda
conta se como clientes da agência diversas outras agências e órgãos
governamentais ( CIA, Departamento de
Estado, Conselho Nacional de Inteligência, Casa Branca, Embaixadores dos EUA,
Congresso, Ministério da Justiça, Agricultura, Defesa e etc). Seria muito
ingênuo acreditar que uma agência com esse alcance se pautaria a fazer busca de
informações baseadas somente naqueles assuntos que se enquadram como questões
de segurança.
O temor generalizado que foi
propalado pelo governo, pela mídia, pelas associações civis e por organizações
sociais depois dos ataques de 11 de setembro contribuíram para que as pessoas
aceitassem maior interferência estatal em seus assuntos privados. A guerra ao
terror teve implicações legais com a declaração da Lei Patriota que permitia
investigações à civis em casos de ameaça a segurança nacional. Ocorre que,
muito dos documentos vazados por Snowden demonstraram que o tema da segurança era
mero subterfúgio para a obtenção de informações de econômico e político
diplomático.
Isso fica claro, no programa
Olympia do serviço canadense de inteligência cujo alvo era o ministério de
minas e energia no Brasil, bem como a coleta de informações acerca da
Petrobrás. Similarmente, a espionagem e as intercepções diplomáticas visavam
guarnecer o governo dos EUA das principais posições que seriam adotadas em
negociações hemisféricas na quinta cúpula das américas em 2009 em Trinidad e
Tobago.
Certamente, a obtenção de
informações estratégicas de estados amigos configura-se forte fator de
tencionamento e crise de confiança entre as partes. Não poderia ser diferente.
Por óbvio as vantagens dos EUA nestas reuniões equivalem a um jogo em que um
único participante sabe a carta de todos os demais e, neste sentido, sabe
quando blefar e quando trucar. O que faz mesmo com que a diplomacia perca seu
caráter de obtenção de resultados aceitáveis para as partes.
As grandes empresas de tecnologia
Facebook, Google, Yahoo, Twitter todas tinham acordos secretos com a Agência o
que faz com que a privacidade de dados seja praticamente impossível quando se
utiliza essas mídias sociais.
Outro ponto que o livro de
Greewald toca brilhantemente é o do argumento bastante comum que as pessoas
tendem a expressar quando o assunto é privacidade. Na verdade, mesmo essas
revelações tendem a não ser vistas como preocupantes pela maioria das pessoas.
A privacidade só é requerida quando de alguma forma ela é invadida. O cidadão
médio tende a afirmar: “Isso é inevitável, não há o que fazer e além do mais
quem não deve não teme”. Na realidade esse argumento é, no mínimo, inocente.
As pessoas tendem a agir em
conformidade com aquilo que está estabelecido como a “ordem” quando se sabem
vigiados.Em outras palavras, é implícito que se você não quiser problemas, não
faça oposição. Tolere a vigilância passivelmente que então você terá a sua
tranquilidade assegurada. Porém, os governos mudam e políticas públicas podem
vir a ferir interesses legítimos que não encontram vazão em outra forma de
atuação política que não manifestações com vistas a pressionar o Estado. Nesse
caso, com um aparato desta envergadura, pode ser difícil promover mudanças
junto ao Estado.
Um último ponto muito
interessante é sobre o quarto poder, isto é, a mídia e seu papel de sempre
contestar o poder do Estado. O papel do jornalismo tem de se pautar em fazer os
questionamentos ao poder instituído que ninguém mais teve coragem de fazer. É
perguntar aquilo que pensa-se melhor não perguntar esse é o papel do jornalista
de verdade. O poder sempre vai quer tranquilizar a todos dizendo que a situação
está sobre controle porque isso é o que garante a sua existência. Se as pessoas
passassem a duvidas do Estado em seu papel de garantidor da paz social qual
seria a sua serventia afinal? Desse modo a mídia tem de ser protegida e deve se
posicionar sempre com um poder que antagoniza com o poder instituído. Orwell,
talvez, tenha a melhor definição de jornalismo. Para ele, jornalismo é publicar
aquilo que alguém não quer que se publique todo o resto é publicidade.
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