Pular para o conteúdo principal

União Européia e Teoria de Relações Internacionais



Do ponto de vista das relações internacionais um dos acontecimentos mais importantes do século XX foi a constituição de um bloco supranacional europeu. O processo que teve início com o fim da II guerra mundial, em que as potências europeias se viram prezas ou a Washington ou a Moscou, serviu de ensejo para o início do processo de integração.

Com vistas a diminuir o poder de influência soviética na europa, os EUA não só apoiaram a construção de instituições comuns entre os países da região como auxiliaram na reconstrução da infraestrutura física e dos fundamentos econômicos por meio do plano Marshall. Não obstante, os próprios europeus percebendo a perda relativa de poder de seus estados no sistema internacional e diante da catástrofe da II guerra mundial para a sua população e desenvolvimento vislumbraram meios de garantir um arranjo institucional em que a guerra seria impensável.

O primeiro ato que consolidou a formação do que hoje se conhece por União Europeia foi a assinatura do tratado de Paris (1951) por meio do qual fica instituída a Comunidade Europeia de Carvão e do Aço (CECA), caracterizada por ser um acordo setorial de abrangência regional com vigência de 50 anos, deste modo, em 2002 a CECA desaparace. Os estados membros do acordo foram França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo.

Em 1957, por meio do Tratado de Roma foram criadas mais duas instituições regionais a 
Comunidade Econômica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia de Energia Atômica (EURATOM). O tratado de Roma no que diz respeito à supranacionalidade é bem menos generoso do que o tratado de Paris, porque quando se compara aquelas instituições verifica-se que a CECA gozava de maior grau de supranacionalidade do que suas correlatas (CEE e Euratom). O tratado de Roma ainda teve a preocupação em reduzir a burocracia uma vez que alguns órgãos eram comuns na comunidade.

Um pouco mais tarde, em 1965, o tratado de Bruxelas, também conhecido como tratado de fusão cria uma comissão e um conselho único para as três instituições. Convém relembrar que a Europa já contava com uma corte para solução de litígios criada pelo tratado de Paris e uma assembleia parlamentar.

O ato único europeu ( 1986) foi responsável pelo primeira atualização do tratado de Roma ( 1957) e sua finalidade precípua era de conferir mais democracia às tomadas de decisões dos órgãos bem como aumentar a sua supranacionalidade. A assembleia parlamentar é renomeada para Parlamento Europeu e passa a cooperar com o Conselho Europeu. Além disso, o que instituí o Conselho de Ministros que congrega os ministros dos estados membros que assumem a discussão de temas mais estratégicos de interesse dos Estados. Em resumo, o AUE lança as bases para a formação do mercado comum em 1992 com o tratado de Maastrich.

A União Europeia como hoje se conhece se inicia com o tratado de Maastrich 1992, por esse motivo também é chamado de tratado da União Europeia, contudo sem gozar de personalidade jurídica internacional  o que só virá com o tratado de Lisboa de 2007. Maastrich, dividido em duas partes, na primeira parte introduz mudanças substanciais renomeando a CEE para Comunidade Europeia; e na segunda estabelece três pilares políticos fundamentais, a saber, o comunitário, o da Política Europeia de Segurança Comum(PESC) e o de justiça e assuntos internos; o primeiro tem natureza supranacional ao passo que os outros dois possuem caráter intergovernamental.

Posterior ao tratado da União Européia veio o tratado de Amsterdã (1997) que reformulou os tratados anteriores Tratado da União Européia e tratadode Paris e de Roma. Além disso, o tratado de Amsterdã foi responsável por trazer a União mais próxima do cidadão europeu. Aboliu-se a necessidade de passaporte no espaço Schengen, aprovou-se a entrada de assuntos atinentes a direitos sociais que podem ser exigidos perante a corte bem como direitos fundamentais. Visava-se com isso construir as bases para o alargamento da integração buscando admitir os países que deixavam a zona de influência da antiga URSS no leste europeu. Não obstante, Amsterdã apesar das inovações e avanços no campo dos direitos do homem não logrou êxito no que concerne à expansão do bloco.

O tratado de Nice (2000) traz temas que refletem a preocupação com a expansão da União para o leste europeu. Assim, o tamanho e a composição da comissão europeia, o peso dos votos no conselho de ministros e a extensão das votações por maioria qualificada. O tratado de Lisboa (2007) reflete ainda mais a necessidade de reforma das instituições da União vez que ele é o desenlace de um projeto de constituição Europeia que foi rejeitado em referendo na França e 
na Holanda em 2005.

Desde sua criação em 1951 a união Europeia não para de crescer. Dos 6 membros fundadores oficiais em 1951 com a assinatura do tratado de Paris (França, Alemanha, Itália, bélgica, Holanda e Luxemburgo), em 1973 sofre o primeiro alargamento em que ingressam Reino Unido, Irlanda e Dinamarca, em 1981 ingressa a Grécia, em 1986 Portugal e Espanha, em 1995 Áustria, Finlândia e Suécia, em 2004 a União recebe mais dez países os bálticos, Chipre, Hungria, República Checa, Polônia, Eslovênia, Eslováquia e Malta, em 2007 ingressam Bulgária e Romênia e em 2013 a Croácia. Em 2016, porém a União Europeia sofre um forte revés: a saída do Reino Unido.

Para ingressar na União Europeia é necessário que o país estejam em conformidade com os princípios de Copenhague: ser uma democracia, respeitar os direitos humanos e ter uma economia de mercado em pleno funcionamento. Além disso, a população do próprio país deve aprovar e todos os membros da União devem dar o seu aceite.

No que concerne à teoria de integração regional podemos elencar alguns estudiosos que buscaram compreender em maior profundidade as causas e consequências dos projetos de união política. David Mitrany em seu The Functional Theory of politics (1975) estabelece uma divisão entre Alta Política (endereçada a questões de poder, de estado, segurança, defesa e etc) e Baixa Política (voltada a temas sociais, de comércio e técnicos) e lança a tese de que qualquer processo de integração deve primeiro buscar uma aproximação entre assuntos de baixa política por serem estes mais técnicos e, portanto serem menos propícios a causar litígios entre estados, com o tempo haveria o transbordo de temas mais técnicos para temas mais políticos. Em síntese, da integração pela baixa política viria, por transbordo, a integração da alta política. Na visão de Mitrany o compartilhamento de soberanias deve se dar pela condução de elites técnicas em assuntos de baixa política, essa cooperação entre estados teria como efeito positivo criar uma ramificação em outros setores de maior complexidade como questões de economia e política, deste modo, contribuindo para a paz internacional.

O conceito de transbordamento (spill over, em inglês) é incorporado por Ernst Haas em trabalho de 1965 intitulado Beyond Nation State. O professor da Universidade da Califórnia define integração como um processo de transferência de lealdade das esferas de poder nacionais para instâncias de poder supranacionais. Segundo o seu entendimento haveria um papel das elites políticas em convencer os vários atores sociais sobre as vantagens de transferência de poder para instâncias supranacionais.

As limitações do funcionalismo que estes dois autores esboçam em seus respectivos trabalhos são várias; a) existe a dificuldade de spill over se realizar na prática, isto é, mesmo passado 60 anos de sua formação a transferência de soberania de temas de baixa política para alta política não se verifica. Com efeito, este continua sendo um dos motivos de divisionismo dentro da União. São as questões de soberania que tem colocado em xeque a existência do bloco por partidos que não entendem ser factível ou desejável ter questões como controle de fronteira (um dos principais atributos da soberania) resolvidos por processos de decisão supranacional. O brexit, pode ser enquadrado nesta perspectiva, bem como os demais partidos de tendência nacionalista xenófoba na França, Holanda entre outros.

Em Political Community and the north atlantic area: International organization in the light of historical Experience (1969) Karl Deutsch, explica que a integração é condição para a superação de tensões e ameaças existentes em determinada regiões e como tal contribui para o fortalecimento da paz mundial.


Os anos 1970 produziram para o campo das relações internacionais mais estudos voltados à temática da problematização da ordem mundial e neste sentido podemos citar a noção de interdependência complexa De Robert Keohane e Joseph Nye. Os dois neoliberais entendiam que apesar de serem os estados os atores centrais do sistema internacional anárquico outros atores despontavam e exigiam mais atenção pode parte dos estudos acadêmicos. Com efeito, a década de 1970 assistiu um avanço do processo de globalização econômica com o aumento do fluxo de trocas entre os estados e foi o período em que também já se havia realizado a criação de diversas agências especializadas da ONU. Assim, neste cenário, os padrões de interação estatal estão além daquele par dicotômico de guerra ou paz, na realidade a pluralidade de atores enseja cooperação não só entre estados por meio de integração, mas também entre estados e Ois e estados e empresas transnacionais.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Escola Inglesa - Martin Wight e Hedley Bull - Clássicos de RI -Parte 1

Na década de 1950 alguns intelectuais ingleses se juntaram no Comitê Britânico com a finalidade de discutir uma teoria de política internacional que não se prendesse somente aos debates entre realismo e liberalismo. A ideia era formar um centro de  pensamento em relações internacionais próprio que espelhasse o entendimento britânico sobre a matéria. Para Hedley Bull o interesse nos estudos internacionais que ocorriam tanto nos EUA quanto na Inglaterra era o reflexo do papel de inserção internacional de um e o declínio de outra. Assim, em 1958, com o apoio da Fundação Rockefeller, reuniram - se historiadores, diplomatas, filósofos, jornalistas e economistas em torno desse centro e os trabalhos publicados por eles deu origem ao que se convencionou chamar de  Escola Inglesa de Relações Internacionais.           As principais contribuições dos estudiosos da Escola Inglesa para a teoria de relações internacionais foram a superação ...

Vinte anos de Crise - E.H Carr Clássicos de RI

Elegância de pensamento, inteligência, observação  rigorosa da realidade são atributos destacáveis desse homem que nasceu em 1892, formou-se em Cambridge em Estudos Clássicos, ingressou no serviço diplomático participando da conferencia de paz de Versalhes, atuando como professor de política internacional e publicando em 1939, no começo da II guerra mundial, seu livro mais conhecido: Vinte anos de crise. O propósito do livro de Edward Hallet Carr é contra-atacar o defeito, flagrante e perigoso, de todo pensamento, tanto acadêmico quanto popular, sobre política internacional nos países de língua inglesa de 1919 a 1939: o quase total esquecimento do fator poder. O capítulo primeiro trata do nascimento da ciência  política internacional. Em 1914, o estudo da política internacional estava em sua infância pois o período imediatamente anterior ( La belle époque) havia trazido um elemento de estabilidade que fez com que estudos na área caíssem em esquecimento. Segundo Engels...

A Escola Inglesa Martin Wight e Hedley Bull - Clássicos de RI - Parte 2

 Se Martin Wight foi o maior intelectual da escola inglesa de relações internacionais, Hedley Bull foi o seu maior discípulo. Nascido na Austrália em 1932, mas passando a maior parte de sua vida na Inglaterra onde participou das famosas conferencias ministradas por Martin Wight na London School of Economics, tendo  sido também professor de várias instituições vindo a falecer vitima de um câncer em 1985 com 53 anos de idade. Seu trabalho fundamental é o clássico "A Sociedade Anárquica: um estudo sobre a ordem internacional". Nesse estudo vemos a influência das idéias de Wight nas tipologias do pensamento internacional, o direito e a  sociedade internacional. Se, por um lado, há elementos que permitem sentir a importância do mestre no discípulo, por outro, temos que este superou o seu mentor na abrangência e na densidade do estudo da ordem internacional e creio que esse será o seu maior legado para os estudos de RI. Ao analisar a ordem internacional Hedley Bull...