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Projeto para tornar perpétua a paz na Europa - Abbé de Saint - Pierre- Clássicos de RI

O abade de São Pedro foi um homem nascido em 1658-1743 no seio da pequena nobreza francesa e que ingressou na vida monástica por incapacidade física de ocupar um cargo como militar.

Tem no livro publicado em 1713 sua maior contribuição para o pensamento político internacional por se esforçar em convencer os líderes da época a se unirem numa cristandade pan européia para viabilizar a paz na Europa. O projeto é concebido com a finalidade de ser uma constituição européia a que os Estados adeririam e cujas leis obedeceriam, assim há a exposição de artigos e suas respectivas explicações bem como uma parte em que o abade se presta a responder todas as críticas que foram feitas à seu livro afim de dirimir quaisquer dúvidas sobre o projeto. Eu senti pela leitura que o padre é um racional irracional, um racionalista apaixonado que vai até as últimas consequências para convencer seu público.

Os artigos fundamentais do projeto do abade são os que se seguem após o que farei alguns comentários eles.

ARTIGO I  Os Soberanos, presentes por seus Deputados Plenipotenciários abaixo assinados, acordam os seguintes artigos: Haverá de agora em diante uma organização permanente, urna Sociedade de proteção recíproca e perpétua entre os mencionados Soberanos e também entre os que em seguida assinarão o presente Tratado; essa Sociedade se denominará Sociedade Européia, estabelecida para resolver sem guerra e pela via da arbitragem suas controvérsias futuras, para reduzir de muito o número e a importância dessas controvérsias, para evitar para sempre todas as guerras civis, para gozar tranquilamente das imensas vantagens de um comércio perpétuo e universal, para afirmar perpetuamente suas Casas sobre os tronos e para aumentar incomparavelmente: mais suas riquezas, sua independência e sua segurança. 

ARTIGO II Os recentes tratados assinados em Utrecht, Bade na Suíça e em B(?), entre as Coroas do Norte, serão cumpridos para sempre em toda a sua amplitude, a menos que posteriormente as Partes façam modificações por acordo unânime, e a Sociedade garantirá sua execução.

ARTIGO III Como no Tratado de Utrecht o falecido Rei de França Luís XIV, de gloriosa memória renunciou, em prol da paz, em nome do Rei de França Luís XV, seu bisneto menor, atualmente reinante, e seus descendentes, aos Reinos e Coroa de Espanha, e como reciprocamente o Rei de Espanha Filipe V, em prol da mesma paz, renunciou em seu nome e no de seus descendentes ao Reino e Coroa de França, renúncia que desde então renovou solenemente: e como o Duque de de Orleans, jovem filho de França, atualmente Regente do Reino, igualmente renunciou,em conseqüência do dito Tratado de Utrecht, em seu nome e no de seus descendentes, ao Reino e Coroa de Espanha, acordou se para segurança comum que essas renúncias terão no futuro efeito pleno e integral.

ARTIGO IV No caso de surgir qualquer divergência entre os Soberanos associados a respeito da execução dos mencionados Tratados, ou sobre qualquer outro assunto, declararam e declaram eles que para resolvê-las renunciam para sempre à via da violência e das armas, e que aceitam para sempre, para si e para seus sucessores, a via da arbitragem, da forma que acordaram e que será especificada adiante, e também convieram que aquele que apesar desta convenção tomar armas e executar atos de hostilidade contra um dos associados, sem a autoridade e consentimento escrito da Sociedade, será considerado e tratado como perturbador da tranqüilidade pública e corno inimigo da Sociedade. 

ARTIGO V Haverá em Utrecht, ou outra cidade mediante acordo da maioria dos Associados, uma Assembléia perpétua de vinte e dois Deputados Plenipotenciários, ou Senadores, cada qual representando seu Soberano e cada qual dispondo de somente um voto, formando um Senado representativo denominado Senado dos Soberanos, ou Senado Europeu, que resolverá numa primeira Sentença, provisoriamente, por maioria de votos, e numa segunda Sentença, por três quartos dos votos, definitivamente, todas as controvérsias que surgirem entre os Associados e que não puderem ter sido resolvidas pela intermediação dos comissários do Senado. 


ARTIGO VI o Senador somente poderá opinar segundo as instruções de seu Soberano, que serão revogadas por seu Senhor quantas vezes for necessário. 

ARTIGO VII A Cidade da Paz, onde se reunirá o Senado dos Soberanos, será governada soberanamente, juntamente com suas dependências, pelo Senado, de forma que todos os interessados, como os Magistrados, a Nobreza, o Clero e os demais Cidadãos tenham maiores vantagens nesse novo governo do que no governo anterior. 

ARTIGO VIII Para maior segurança da Sociedade Cristã, para reduzir a despesa comum e para o progresso do comércio por terra e mar, com os Soberanos não-cristãos, o Senado concluirá com cada um deles Tratados por meio dos quais se acordará que serão sempre executados os mais recentes Tratados feitos entre eles e os Soberanos cristãos, sobre comércio e fronteiras, e tarnbém entre eles e seus outros vizinhos, e se surgirem entre eles divergências relativas a essa execução, ou por outros motivos, eles jamais tomarão armas nem farão qualquer ato de hostilidade, e Sim trarão o assunto ao julgamento do Senado, que será o garante da execução dos Tratados e que contribuirá com todo o seu poder para a execução de seus julgamentos, e para isso o Senado obterá dos mencionados Soberanos não-cristãos, e lhes dará, todas as seguranças recíprocas possíveis. 

ARTIGO IX A Sociedade Européia não interferirá no governo interno de cada Estado, e somente utilizará seus cuidados e empregará sua autoridade e suas forças para prevenir ou fazer cessar as guerras civis. 

ARTIGO X A Sociedade Européia empregará também sua autoridade e suas forças para evitar que durante as Menoridades, Regências ou outras épocas de fraqueza, nenhum prejuízo seja causado ao Soberano, nem em sua pessoa e nem em seus bens, a fim de manter a concórdia, a subordinação e a boa ordem no governo. 

ARTIGO XI As Soberanias hereditárias permanecerão hereditárias, as eletivas permanecerão eletivas, tudo segundo o uso de cada nação e entre as nações em que haja Tratados e Convenções entre o Soberano e o Povo, entre o Chefe e os Membros, entre o Rei e a República, como as Convenções Parlamentares, as Capitulações Imperiais os Pacta conventa, etc. Esses Tratados serão observados com exatidão e o Senado garantirá seu cumprimento. 

ARTIGO XII As Soberanias Cristãs terão sempre os mesmos limites atuais, segundo os mais recentes Tratados; portanto, nenhum território poderá ser desmembrado de qualquer Soberania e nem poderão ser-lhes acrescentados outros. 

ARTIGO XIII o Rei da Inglaterra e o Rei da Polônia poderão conservar suas Soberanias na Alemanha, mas cada um terá somente um voto no Senado, da mesma forma que um Eleitor ou outro Príncipe Soberano do Império, se for eleito Imperador, fora desses casos, nenhum Soberano poderá possuir ou governar duas Soberanias e não poderão entrar para as Casas Soberanas reinantes outras Soberanias além das que nelas já se encontrem atualmente; seja por sucessão, pactos entre Casas, eleição, doação, testamento, cessão, venda, conquista, submissão voluntária ou qualquer outra forma.

ARTIGO XIV Os Soberanos não poderão exigir a execução de qualquer troca de território nem de qualquer outro Tratado que não tenha sido acordado e ratificado pela Sociedade no Senado, e ela será garante de sua execução. 

ANTIGO XV Ninguém poderá usar o título de Soberano de qualquer país ou território se não estiver em sua posse atual segundo os mais recentes Tratados. 

ARTIG XVI Os Soberanos que assinarão o presente Tratado declararam considerar-se mutuamente quites de todas as dívidas ativas, de todas as pretensões e de todos os direitos que poderiam exercer uns contra os outros, especialmente sobre o território de uns e outros; o que foi prometido pelos mais recentes Tratados será executado, e se houver alguma contestação relativa a essa execução, o Senado será o árbitro. Declararam também considerar desde agora quites de semelhantes dívidas, direitos ou outras pretensões, todos os Soberanos que assinarão o presente Tratado, e reciprocamente os que assinarem considerarão, ao assinar, quites de semelhantes pretensões aqueles que já houverem assinado e os que o assinarão em seguida. 

ARTIGO XVII O Senado oferecerá sua mediação e sua arbitragem aos Soberanos não Associados que estiverem em guerra e fará agir suas forças contra quem recusar sua arbitragem, e se ambos aceitarem, serão obrigados a desmobilizar suas tropas e o Senado decidirá suas pretensões recíprocas.

ARTIGO XVIII O Senado Europeu estabelecerá, em diferentes cidades de fronteira de Estados vizinhos, Câmara de juízes autorizados a julgar em última instância as divergências que surgirem entre súditos de Soberanos diferentes. 

ARTIGO XIX o Senado trabalhará constantemente para redigir por Artigos, por maioria de votos, um Regulamento para essas Câmaras de fronteiras, a ser provisoriamente observado; mas esses Artigos poderão ser modificados por três quartos dos votos, e no aguardo desse Regulamento serão observadas as leis ordinárias e os artigos acordados sobre comércio nos Tratados mais recentes. 

ARTIGO XX Os vinte e dois votos que comporão o Senado Europeu serão: 1. França, 2. Espanha, 3. Portugal, 4. Inglaterra e Hanôver, 5. Holanda, 6. Dinamarca, 7. Suécia, 8. Prússia, 9. Polônia e Saxe, 10. Curlândia e Associados, 11. Moscóvia, 12. Áustria, 13. Palatino e Associados, 14. Arcebispos Eleitores e Associados, 15. Lorena e Associados, 16. Baviera e Associados, 17. Suíça e Associados, 18. Sicília e Savoia, 19. Gênova e Associados, 20. Florença e Associados, 21. Roma, 22. Veneza.

ARTIGO XXI Os Soberanos Associados contribuirão para a despesa necessária ã manutenção da Sociedade e para a conservação comum  e particular dos Associados, cada qual na proporção da receita de seu Estado, deduzindo-se os encargos.

ARTIGO XXII Os contingentes, ou contribuições anuais e ordinárias, serão decididas provisoriamente por maioria de votos; mas depois que os Comissários do Senado hajam obtido em cada Estado os esclarecimentos necessários, esses contingentes ordinários, à base dos quais serão sempre calculados os contingentes extraordinários, serão fixados por trinta anos por três quartos dos votos. 

ARTIGO XXIII Se após a decisão definitiva sobre os contingentes verificar se que algum Soberano pagou provisoriamente a mais e algum outro a menos, o que tiver pago a mais será reembolsado pelo Senado, com juros, com os mesmos recursos fornecidos, com juros, pelo que houver pago a menos.

ARTIGO XXIV Nada será modificado nos artigos fundamentais acima sem o consentimento unânime de todos os votos; mas quanto aos demais artigos que poderão ser acordados adiante, o Senado dos Soberanos sempre poderá reduzir ou acrescentar aquilo que julgar conveniente para a utilidade comum dos Associados. 

Para que houvesse paz na Europa no entendimento do abade deveriam ser cumpridas essas cláusulas por todos os estados envolvidos. O livro é dividido em vários discursos e o que diz respeito aos artigos está entre os últimos apesar de ter resenhado primeiramente essa dimensão do pensamento do autor não é possível taxá-lo de positivista, na realidade, ele passa a maior parte do livro fazendo reflexões e respondendo à objeções e aqui convém criticá-lo com mais propriedade.

A ideia de união da Europa parte do princípio de que a natureza humana responde melhor ao medo do que à razão e se depois de concluída a hipotética união da Europa algum estado aventar sua saída o temor que o conjunto representa o forçará a ficar, de modo semelhante ocorre com o princípio de não intervenção e autodeterminação dos povos que no projeto passam ao largo das preocupações do padre uma vez que ele entende que a manutenção do status quo monárquico está hierarquicamente acima daquelas o que se fosse levado às últimas consequências corresponderia ao congelamento da realidade internacional e a completa impossibilidade de mudança no bojo de tal sociedade.

Assim, o projeto do abade de saint - pierre tem importância pelo seu pioneirismo e por sua originalidade, além de ser de fácil leitura e trazer uma opinião acerca da natureza humana que não necessariamente corresponde a realidade no plano internacional, por outro lado, a obra não permite ter amplitude histórica o suficiente para ter aplicabilidade nos dias de hoje sendo portanto restrita à sua época. 

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