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O POVO BRASILEIRO DE DARCY RIBEIRO

Não sei se eu estou passando por um período algo existencial ou se apenas não consigo compreender o país em que vivo. O fato concreto é que tenho garimpado algumas leituras em busca de algumas respostas sobre o que é a Nação brasileira. O que nos define e nos diferencia de outros povos? Como nos vemos e como somos vistos? Quais as matrizes culturais que fizeram aqui  ? Quais são os nossos problemas e o mais importante como construímos um país melhor ?

Reconheço que as perguntas que havia feito quando surgiu essa angústia estavam mais calcadas na observação da realidade e na força dos fatos do que numa crise propriamente dita. Para citar alguns poucos exemplos, salta aos olhos o número crescente de pessoas à deriva nas ruas, dormindo em baixo das pontes e das marquises sem qualquer proteção estatal, ao mesmo tempo em que a péssima qualidade dos serviços públicos do país se faz sentir na falta de atendimentos à saúde, à educação e no transporte público. Não só causas, digamos, externas a meu dia-a-dia mas também o grau de conservadorismo da sociedade brasileira nas relações de poder que se estabelecem nas empresas pelo país e na reinante desigualdade social.

De saída, me deparei com Darcy Ribeiro e o seu influente livro O Povo Brasileiro que para minha surpresa tenta pelo menos em teoria dar respostas à todas as minhas questões iniciais sem excessos e sem arrogância intelectual.

Darcy Ribeiro, foi antropológo formado na Escola de Sociologia e política de São Paulo e senador da república, teve durante a sua vida reconhecimento internacional e em seus relatos diz que escreveu os seus livros às pressas porque pensava que ia morrer pois estava acamado.

Felizmente, viveu até 1997, tempo o suficiente para ver o seu livro O povo brasileiro (1995) se tornar clássico e  alcançar o status que merece pelo rigor analítico.

O povo Brasileiro é um daqueles livros totais, isto é, um livro que toma o assunto que se propõe compreender e vai fundo na busca das respostas. Se vale pra isso da análise dos ciclos econômicos, da sociologia, da ciência política e da etnografia tudo para formar um quadro preciso do que é o Povo que aqui vei se formar. 

Na visão de Darcy Ribeiro, embora eu tenha algumas reticências quanto à exatidão desse argumento, somos um povo novo, uma Nova Roma que foi formada a a partir de três matrizes culturais distintas por um processo de mestiçagem em que as culturas iniciais se misturaram e criaram uma nova latinidade. 

Se é ponto pacífico que hoje somos uma forma humana nova sobre a terra convém ressaltar que o caldeamento não se deu através de um processo pacífico, pelo contrário, o entrechoque entre as raças custou milhares de vidas indígenas e negras. Ter isso em mente nos dias de hoje significa reparar a injustiça inicial ou pelo menos impedir que ela cresça.


Em que demos certo?

Darcy Ribeiro responde essa pergunta dizendo que no plano cultural com todas as suas tragédias não somos um povo que possui em si perigos de secessão. Há que se reconhecer que do ponto de vista da cultura conseguimos criar um povo realmente novo .Há expressões fortes da africa da cozinha à música no Brasil, há no português diversas palavras indígenas embora em outras áreas essas influências sejam menos sentidas.

Ainda no aspecto da unidade nacional fomos bem sucedidos conquanto isso não se tenha dado de modo pacífico. Darcy, ilustra todas as revoltas coloniais e as tentativas de sublevação contra o governo central em formas de luta que não puderam se impor frente poder estatal. O que por um lado nos leva a pensar na desigualdade de forças por outro nos leva a preservação do território nacional sob um único governo central. Neste sentido não formamos repúblicas divididas que hoje caracterizam parte da américa espanhola.

Essas duas vertentes a mescigenação cultural e a unidade territorial podem ser caracterizadas como aspectos positivos de nosso história que conservamos até hoje.

Em que não demos Certo?
Não obstante, nossa capacidade de não nos desintegrarmos em pequenas repúblicas, que seriam indubitavelmente, alvos fáceis da dominação externa, persiste fortes contradições sociais e dependencia do mercado internacional de commodities. Essas duas características ainda não foram solucionadas.

Aqui, cabe uma aparte no sentido de que durante a última década o país passou por um processo de ascenção de classes mais pauperizadas que contaram com uma forte valorização dos preços das commodities,impulsionadas pelo crescimento chinês, que aliado às políticas sociais permitiram a saída da pobreza de milhares de famílias brasileiras.

Em que pese o favorável cenário do comércio internacional esse processo vem enfrentando problemas em sua manutenção após a crise das subprimes de 2008 que se iniciou nos EUA e se espalhou para Europa afetando diversos países desde então.

A história narrada por Darcy Ribeiro, descreve que desde os primórdios, da extração do pau-brasil no século XVII, o ciclo da mineração no século XVIII , a produção do açucar no século XIX e o café no século XX contribuiram para a formação de uma elite que se enraizou na sociedade brasileira e que ainda hoje encontra seus reflexos nas empresas do agronegócio que como se sabe tem fortes representantes na estrutura do estado. De certo modo, continuamos dependentes do comércio internacional de bens agrícolas, embora tenhamos desenvolvidos alguns setores de tecnologia de ponta como demostram os casos da Embraer na produção de aviões.

Enfim, Darcy Ribeiro é leitura obrigatória a todos os brasileiros que por ventura querem se compreender melhor. 


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